
06 – ARTE FINA DO CORTE
Acabo de me levantar
Da cadeira vermelha da sala
Para sentado meio torto inclinado,
Noutra cadeira do Retro-Studioambiente,
Trabalhar em grandes potes de barro
A arte fina do corte.
Um nome me chega aos gritos!
Vejo-me agora sem parentes,
Sem amigos, flecha partida,
Atirada em direção ao nada.
Vários companheiros, eqüidistantes,
Esquadrinham meu lado sul/norte,
Na verdade não esquadrinham nada,
Meus pontos cardeais sem trafego,
Olhando o “Sinal Semafórico”,
De Ledo Ivo, de longe,
Querem jorrar poesia,
Como água morna.
A arte fina do corte
Brilha no sangue verde
Do Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde.
E reunidos em canos plásticos,
O Sinal Semafórico, o Fantasma de Canterville
E meu cartão de visita,
Retomam o fragmento do branco no vazio.
Ainda sentado meio torto inclinado,
Olho a sala e a cadeira vermelha,
Lembro que amigos distantes se esquecem
E isso é normal, natural e vulgar.
Chamo de corte essa arte da esquecidade.
Vários nomes e rostos
Que antes bailavam no Ramo de Estrelas,
Ainda me chegam e minha amada
Pede para que não coloque
Nada furante no ouvida, use cotonete, amor!
Grita ela sem pedir licença,
Por dentro das frases e palavras cortadas.
Neste momento começo a beber cerveja,
Uma marca qualquer, das melhores talvez,
Ao mesmo tempo crianças famintas
Passeiam na praça.
Aqui contemplamos a arte fina do corte.
Lado direito da dor, o prazer!
Lado esquerdo da dor, o disfarce!
Com sapatilhas de seda,
Um político decadente se equilibra
Com gestos triunfantes,
Sobre o fio aberto da navalha.
Uma criança de rua,
Olhando a cena por dentro,
Rasga a seda, libera a arte fina do corte,
Sangrando os pés,
Pondo fim ao equilíbrio,
Do disfarce, do embuste.
Prazer e disfarce!
Junção dos diferentes lados da dor.
A decadência política apodrecendo,
Arroz, milho, café, escolas.
Uma faixa menstruada pelas cores do Brasil,
Avisa a todos do feriado nacional.
A crise aguda dos bancos,
Apendicite financeira crônica,
Dilacerou vísceras e apodreceu
Papéis, imóveis, bandeiras.
A arte fina do corte,
Resplandece como um olho azul cortado.
No oco da face, pelo olho retirado,
A dor, o sangue escorrendo.
Nas bandas do olho aberto,
Escorre o brilho, o azul se perde.
A imagem vídeo-rotativa,
Se esvaindo em vinhetas e clichês,
Agora por outro olhar,
Estanho, ano 3093.
Ano qualquer,
Tempo talvez,
Amar, esquecer, furar.
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