quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Do livro Cirandas Eletrônicas de Jaiel de Assis


06 – ARTE FINA DO CORTE

Acabo de me levantar



Da cadeira vermelha da sala

Para sentado meio torto inclinado,

Noutra cadeira do Retro-Studioambiente,

Trabalhar em grandes potes de barro

A arte fina do corte.

Um nome me chega aos gritos!

Vejo-me agora sem parentes,

Sem amigos, flecha partida,

Atirada em direção ao nada.

Vários companheiros, eqüidistantes,

Esquadrinham meu lado sul/norte,

Na verdade não esquadrinham nada,

Meus pontos cardeais sem trafego,

Olhando o “Sinal Semafórico”,

De Ledo Ivo, de longe,

Querem jorrar poesia,

Como água morna.

A arte fina do corte

Brilha no sangue verde

Do Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde.

E reunidos em canos plásticos,

O Sinal Semafórico, o Fantasma de Canterville

E meu cartão de visita,

Retomam o fragmento do branco no vazio.

Ainda sentado meio torto inclinado,

Olho a sala e a cadeira vermelha,

Lembro que amigos distantes se esquecem

E isso é normal, natural e vulgar.

Chamo de corte essa arte da esquecidade.

Vários nomes e rostos

Que antes bailavam no Ramo de Estrelas,

Ainda me chegam e minha amada

Pede para que não coloque

Nada furante no ouvida, use cotonete, amor!

Grita ela sem pedir licença,

Por dentro das frases e palavras cortadas.

Neste momento começo a beber cerveja,

Uma marca qualquer, das melhores talvez,

Ao mesmo tempo crianças famintas

Passeiam na praça.

Aqui contemplamos a arte fina do corte.

Lado direito da dor, o prazer!

Lado esquerdo da dor, o disfarce!

Com sapatilhas de seda,

Um político decadente se equilibra

Com gestos triunfantes,

Sobre o fio aberto da navalha.

Uma criança de rua,

Olhando a cena por dentro,

Rasga a seda, libera a arte fina do corte,

Sangrando os pés,

Pondo fim ao equilíbrio,

Do disfarce, do embuste.

Prazer e disfarce!

Junção dos diferentes lados da dor.

A decadência política apodrecendo,

Arroz, milho, café, escolas.

Uma faixa menstruada pelas cores do Brasil,

Avisa a todos do feriado nacional.

A crise aguda dos bancos,

Apendicite financeira crônica,

Dilacerou vísceras e apodreceu

Papéis, imóveis, bandeiras.

A arte fina do corte,

Resplandece como um olho azul cortado.

No oco da face, pelo olho retirado,

A dor, o sangue escorrendo.

Nas bandas do olho aberto,

Escorre o brilho, o azul se perde.

A imagem vídeo-rotativa,

Se esvaindo em vinhetas e clichês,

Agora por outro olhar,

Estanho, ano 3093.

Ano qualquer,

Tempo talvez,

Amar, esquecer, furar.

Nenhum comentário: